segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sincronicidade - Todas as primeiras vezes (parte 3) 2002

Catarina

Dois tempos atrasada... Ela ainda se acostumaria com isso se fizesse mais de uma vez pela semana, ao mesmo tempo em que se sentiria à vontade fugindo do colégio para mais longe do que realmente quisesse.
As ideias explodiam na cabeça de “Kitty” com a mesma velocidade que desapareciam e eram substituídas por novidades da mesma leva. Ainda assim, não havia saído do carro de sua mãe, que insistia na mesma tecla a mais de dez minutos: O “Bar-Mitzvah” do filho de uma amiga, que ela tanto gostaria que conhecesse. Se soubesse que estava namorando o filho de um torturador foragido, ela não apenas a mataria como a deserdaria imediatamente.
Um bando de Neonazistas descobriram a origem de Andréas e se alojou na porta de sua casa. Não se viam há uma semana, desde o começo. Não seria seguro para uma judia, mesmo que esta fosse da “divisão da “diversão”[1]. O bando de loucos que cercam o “santuário” dificilmente pensaria em sexo como uma necessidade vital tão grande a ponto de um “Kieffer” desonrar sua linhagem”.
O que dizer dela? A que nunca deveria ter sido. Colégios faziam uniões extremamente dispares, principalmente quando o dinheiro pode comprar novas identidades e histórias pessoais completamente diferente das originais.

Andréas.

O silencio como eterno companheiro. Sempre foi assim, entretanto, nos últimos dias, tem sido ainda pior. O tipo de solidão capaz de desesperar.  Ainda maior que a habitual. Num país tão maluco quanto o nosso, gente como ele acaba se tornando ícone de todos os tipos de causas perdidas. Andréas sequer conheceu seu pai, tudo que sempre soube foi que em algum momento de sua vida, ele conseguiu reunir um montante de dinheiro grande o suficiente para reerguer não apenas sua vida como para impedir que seu filho pagasse por seus pecados. Quais? Apenas recentemente as verdades vieram. A palavra “Nazista” ainda ecoa pelas paredes do luxuoso apartamento mal localizado.
Um bilhete entregue para sua tia, a mãe de Tabitha, assinou a sentença de morte de sua paz de espírito. Detalhes sobre as ações de um pai hipotético e uma inesperada declaração de amor incondicional. A surpresa, o impossível. Nada seria como antes, a partir de então.  Sua consciência pesada fez o resto.  Numa entrevista sobre alunos especiais, ele não segurou e revelou seu “segredinho sujo” em rede nacional. Na semana seguinte, jornais, revistas, TV e todos os tipos de interessados. Pegaram sua vida privada e deram descarga. Tudo graças a ele, que não conseguiu segurar o segredo, principalmente após tantas provocações e insinuações.
Com uma “batata quente” nas mãos, o colégio decidiu “suspendê-lo temporariamente”, ou qualquer palavra usada para o ato de distanciar um problema e alegar que não tem qualquer ligação com o assunto.  Hipócritas. Para provar sua bondade para com ele, mandaram todas as provas e exercícios através de sua prima e amigos. Um bom colégio de mentalidade aberta... Nada como aparecer bem na foto.  Todos desejam uma boa divulgação na mídia, principalmente no trato com “alunos problema”.
Em segredo, longe de todos os amigos e demonstrado apenas por seu olhar, Andréas estava “quebrando”, vendo inimigos por todos os lados, principalmente depois que um manifestante pelos direitos humanos lançou uma granada na portaria de seu prédio. Sempre teve vários problemas, problemas de comportamento e segredos, mas não um monstro. Sua namorada é uma judia convicta, de família ortodoxa. Não seria esta uma prova de que seu ponto de vista e o de seu pai já se distanciavam a partir dali?
A família de Catarina também começava a desconfiar dele, estaria ela com um pensamento diferente?
 Durante as últimas noites, tem sonhado com uma mulher hispânica vestida com motivos indianos, uma simbologia que - quando lembrar – perguntará a Akiko. Neles, a mulher sempre traz a promessa de que toda a sua vida se acertaria quando eliminasse todas as amarras sociais. Promessas numa voz sensualmente áspera que ainda ecoa no seu despertar.  Promessas de uma razão além da razão. Algumas vezes, ele se indaga se esta não seria uma proposta lógica.  Já aprendeu a não discordar mais da voz durante suas afirmações de que ninguém mais confia nele, nem mesmo seus amigos e parentes. Se confiassem, eles o veriam com mais frequência, mas um grupo formado por minorias nunca se esqueceria de sua origem. Não é mesmo?
Bem, Kramer tem sido uma boa companhia. Kramer, o amigo alemão, que sempre o acompanhou apesar de todos os problemas e cobranças de seu pai. No fundo, os dois se entendem... Tem as mesmas ideias e uma origem semelhante, conforme lhe foi dito confidencialmente pouco tempo antes.


[1] Em Inglês, “Joy Division”, uma área dos campos de concentração em que colocavam as melhores mulheres judias para servirem de prostitutas para os oficiais nazistas. Também é o nome de uma das mais famosas bandas Góticas dos anos 70\80.

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