sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Lira dos 50 anos: Os filhos do átomo

Nos últimos dois artigos comecei um passeio pela alameda da memória que terminará neste. Goste você ou não, este será o último cinquentão da lista. Mais importante do que todos os outros, estamos no ano do cinquentenário de Doctor Who, mas, infelizmente pra você, o Doutor não é um personagem de quadrinhos e você vai ter que se contentar com os X-Men.
Quando você ouviu falar dos X-Men pela primeira vez?
Se você tem a minha idade e gosta de animações, a presença deles num dos desenhos desanimados da Marvel provavelmente passou despercebida e você os viu pela primeira vez numa animação nos anos 80, em “Homem-Aranha e seus Incríveis Amigos“. Mais novo do que eu, você pode ter visto os heróis na animação dos anos 90 ou no primeiro filme dos anos 2000.
Nos anos 80 eles estavam bombando aqui no Brasil. O título “Os Novos X-Men“, de Chris Claremont e Dave Cockrun, estreou no Almanaque Marvel 4, da RGE, que havia publicado histórias clássicas da série nos três números anteriores. O grupo internacional e suas aventuras inovadoras me pegaram de jeito e, quando John Byrne assumiu a arte, eu virei fã.
Parte do motivo do salto no tempo é que até aquele momento o título não era sucesso de público nem de crítica.
Quando surgiram em 1963 eram só mais um grupo. A mutação em si já foi uma demonstração do cansaço de Stan Lee, que inventou o Universo Marvel praticamente sozinho. Não, isso não é verdade. Ele teve ajuda de Jack KirbySteve DitkoDon HeckWally WoodGil Kane e de outros artistas importantes pra época, mas como ele criava o argumento e corrigia o texto quando o material voltava para suas mãos, a palavra final era sua.

Primeira equipe mutante: Anjo, Ciclope, Jean, Fera, Professor X e Homem de Gelo
O curioso é que a analogia feita anos depois de que Charles Xavier e Magneto seriam, respectivamente, o Martin Luther King e o Malcom X da editora não ajudou a popularizar o título. Afinal, mesmo com a criação dos Sentinelas (robôs construídos para capturar ou exterminar mutantes) na edição 14 (1965), esse tom de preconceito e perseguição racial e ideológica para as histórias não foi bem desenvolvido até a primeira década dos anos 70, e os personagens ficaram perdidos. Sim, eles eram os negros da editora e, como tal, só existiam para cumprir sua cota, sendo ameaçados de ir pro tronco do cancelamento ao longo de toda a década de 1960. Salvo raras exceções, eram personagens rasos e mal desenvolvidos. No desespero total, contrataram Neal Adams que, ao lado de Denny O ‘Neil, havia feito uma elogiada fase de Lanterna Verde e Arqueiro Verde.
Exatamente como aconteceu na DC e devido ao atraso normal da informação na época, o título foi cancelado prematuramente nos E.U.A. (mais tarde descobriram que vendia muito) e, diferente do que houve na concorrência, não tentaram manter a história quando descobriram o erro. Na verdade, o título permaneceu por um tempo reapresentando histórias antigas dos personagens.

Os Novos X-Men, capa de Gil Kane 1975
Os “Novos X-Men só surgiram em 1975, quando o então editor e roteirista Len Wein tentou criar uma equipe internacional com personagens oriundos de países que liam os quadrinhos da editora. Algo que não seguiu muito em frente, afinal Dave Cockrun ofereceu uns personagens que não foram usados durante sua passagem pela “Legião dos Super-Heróis“, e o grupo terminou tendo um demônio alemão e uma orixá africanacomo membros. Também é dessa fase o ressurgimento de Wolverine, personagem criado por Wein e que só não foi limado do título porque John Byrne resolveu dar um upgrade no personagem em 1980. Vocês imaginam X-Men sem Wolverine? Quase aconteceu, já que a versão original do personagem era carrancuda e antissocial, um animal capaz de matar alguém que olhou pra ele da maneira errada durante o café da manhã.
Quinze Almanaques Marvel e três Almanaques do Hulk depois, foi a vez da Abril assumir os personagens. A volta dos personagens em Superaventuras Marvel 14 trazia a segunda aparição do Arcade, o vilão que criou uma versão mortal do Pinball. Depois disso eles enfrentaram o filho da ex de XavierJean Grey se tornou um anjo da morte, transformou um sol em supernova e matou um planeta inteiro; e, numa aventura que inspirou “O Exterminador do Futuro“, a Kitty Pryde do futuro voltou no tempo para impedir um assassinato. E isso foi só o começo.

O moicano da Tempestade
Na época, fiquei espantado com a forma inovadora que os personagens eram mostrados. Era tão bom que virou febre. Era atual. A Tempestade fez um moicano durante sua visita ao Japão e a sexualidade de alguns personagens era “dúbia”. Eles foram tanto pro oriente quanto pro espaço sideral, e a namorada de Xavier era uma princesa alienígena. Sim, eram as mudanças sociais dos anos 70 e 80 sendo refletidas nos quadrinhos, numa fase em que tínhamos histórias dos anos 60,70 e até 80 na mesma revista. Pergunte a um garoto da época qual o seu grupo preferido e ele te dirá o mesmo que eu: Xís-Men. Mesmo que a animação tenha mudado a pronúncia para Équix-Men, todos dirão o mesmo, independente da pronúncia.
Meu envolvimento com os X-Men é pessoal e eles acompanharam ou motivaram muitos momentos importantes da minha vida. Diferente dos gibis da Bloch, que até meus 8 anos eu lia em Caxias, zona norte do Rio de Janeiro, os X-Men marcaram minha adolescência e motivaram algumas situações curiosas. Nos anos 80 eu morava em Parada de Lucas e estudava na MABE. Foi quando eu descobri os importados, os sebos e os clubes. Conversas de banca de jornal ou sebos me levaram a conhecer o Gibi Clube, cujos membros acabaram se tornando donos dos quadrinhos na década de 1990, e um deles ousaria um pouco mais, criando a Comicmania, uma convenção de quadrinhos que acontece até hoje. Foi devido aos X-Men que aprendi a partilhar, afinal, meu amigo Walter e eu sempre trocávamos revistas; foi ele, inclusive, que me apresentou a fase Paul Smith nos X-Men. Em 1986, com três anos de atraso, li o casamento do Wolverine e a saga dos “Brood” nas revistas sem capa dele.

Wolverine na primeira metade da década de 70
Hoje em dia, quando todo mundo lê “Scan” ou fala de colecionismo, é difícil imaginar que as pessoas trocavam gibis, mas na minha geração a gente trocava com os colegas os gibis que tinha comprado para poder ler tudo que saía na banca. E era barato ler. Bastava não lanchar que você comprava um gibi. Isso era uma forma de socialização e, por causa dos quadrinhos, conheci o Rio todo e alguns pedaços de São Paulo. Os X-Men me fizeram querer ser desenhista. Não deu muito certo, mas se você está me lendo hoje é porque os personagens serviram pra alguma coisa.
Nos anos 80 todos queriam ser o Byrne, nos 90 chegou a vez do Jim Lee e, muito antes da Image, todos copiavam seu estilo. Antes dos anos 90 era muito difícil conseguir os quadrinhos importados. A gente tinha de brigar pelas edições e, se quiséssemos algum título X, tínhamos de chegar cedo no dia que a banca de jornais da General Osório recebia o carregamento ou conhecer distribuidores da Siciliano ou da Sodiler. Na bienal do livro de 1989 a distribuidora Devir veio pro Rio e todos conseguimos assinar nossos títulos preferidos. Na época eu já estava fazendo o fanzine Covil e troquei alguns fanzines pelo começo da fase australiana dos X-Men, ainda desenhados por Mark Silvestri. Surgiram outras distribuidoras, as gibiterias começaram a encher e, além do RPG e do “Sandman“, falávamos muito de X-Men. O problema é que foi a pior fase dos personagens em anos. Claremont havia saído e os roteiristas que vieram depois tentaram adaptá-los ao estilo da década, se esquecendo da caracterização dos personagens. Foi a década dos heróis de ação dos cinemas, e os quadrinhos copiaram isso da pior forma possível.
Nunca parei de ler, mas não acompanhava. Uma história aqui, outra ali, e era só isso. Voltei junto com o Chris Claremont e fiquei indo e voltando até que Grant Morrison assumiu o título em 2002. E mais uma vez minha vida e os X-Men se cruzaram.

X-Treme X-Men Volume 1
Calhou  de eu viajar pra Portugal na época que a revista completava 50 edições pela Devir Editorial, e consegui ler uma história especial criada por artistas locais enquanto acompanhava os encadernados de Grant Morrison e o começo do “X-Treme X-Men“, de Claremont. Numa viagem que (eu pensava) iria comprar todos os Tintins e Manaras do mundo, acabei fazendo amizade com os atendentes da Gibiteria Mundo Fantasma e com os “adeptos de BDs Americanas” da Comics Central. Assim como Morrison fez com a revista, deixei o país para acompanhar a volta ao lar de Claremont.
E a vida seguiu. Agora com os scans e a internet é fácil ler o que você quiser. Continuo acompanhando a série, mesmo que de forma lenta. No primeiro filme dos X-Men, meu filho tinha dois anos e, além do longa ter servido como pretexto pra reunião dos membros do Covil, seu lançamento foi durante a época que me separei da mãe do meu filho. Meu filho cresceu e assistimos ao terceiro filme juntos no dia do meu aniversário. Já temos um compromisso para assistirmos a “Dias de um Futuro Esquecido” ano que vem. E, este ano, fomos juntos ao lançamento da Comicmania XV, que ajudei a divulgar. Falo deles para o Pipoca Gigante e, como membro do Podcast Cruzador Fantasma, comentei sobre as novidades da saga que comemorou os 50 anos dos personagens.
A minha é só uma das muitas histórias deste cinquentenário. Algumas extremamente pessoais, outras nem tanto. A grande verdade é que os personagens são queridos e continuam sendo. Outra grande verdade é que não veremos o próximo cinquentenário, mas devido à internet outros verão o que falamos deste e se espelharão em nós, como nos espelhamos naqueles que vieram antes de nós. Eles podem até gostar de algo diferente, mas se o Superman está a 24 anos do centenário, é bem provável que os mutantes sigam o mesmo caminho.
Com os que virão depois, divido a mais clássica frase da franquia: Bem-Vindos aos X-Men, novos fãs. Esperamos que vocês sobrevivam à experiência. 
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