Anos atrás, quando a internet ainda engatinhava, um conhecido comentou que pretendia digitalizar todos os seus quadrinhos para economizar espaço. Confesso que ri. Nos anos 90, a ideia de digitalizar quadrinhos soava idiota. Os computadores ainda estavam se popularizando, a internet engatinhava e a única forma de gravar e transportar dados eram os Zip Drives de 100 mb. Ninguém imaginaria que em 2013, se nos reencontrássemos, ele viria com o clássico: “Eu te disse”! Mas foi justamente o que aconteceu. Nesse novo encontro ele comentou sobre a série The Private Eye, que além de ter sido criada para explorar todas as possibilidades do formato digital, também é a primeira história em quadrinhos traduzida simultaneamente para o português.
Desde a popularização dos computadores e da internet que os criadores de quadrinhos têm pensado em formas de explorar o novo instrumento e a mídia criada com seu surgimento. Nos anos 80, o colorista Daniel Vozzo popularizou o Photoshop nas páginas daPatrulha do Destino e de Sandman, Steve Oliff criou a empresa de colorização digital Olyoptics e Richard Starkings criou aComicraft, empresa especializada em Letramento digital. Juntas, a Comicraft e a Olyoptics se tornariam referência de qualidade nos anos 90 pelo uso de softwares de edição gráfica. Isso no auge da moda da arte digitalizada, quando o tablet ainda era apenas uma mesa digitalizadora e tanto o Photoshop quanto o Illustrator eram admiráveis mundos novos capazes de criar efeitos nunca vistos nos quadrinhos (na maioria das vezes exagerados).
Com as primeiras digitalizações veio a possibilidade de uplodear a arte para os servidores das editoras, o que passou a ser aproveitado para criar conteúdo independente direto para a internet. E mais uma vez o computador mudou a forma como lemos quadrinhos. Vários artistas passaram a explorar a internet: tanto novatos que não conseguiriam espaço em outra mídia como veteranos buscando experimentar novas ideias e alcançar um público ainda maior. Para o bem e para o mal, a Internet mudou não só a forma como lemos quadrinhos como, com o surgimento dos scans, nos fez questionar se deveríamos continuar pagando por eles.
Com os Scans e a possibilidade se se ler quadrinhos no computador, as grandes editoras começaram a sentir a diferença onde realmente doía, no bolso, e tentaram correr atrás do prejuízo. Surgiram projetos como a Zuda Comics, braço virtual da DC Comicsque promovia concursos onde os quadrinhos digitais preferidos dos leitores eram renovados por mais uma temporada (e recebiam por isso) enquanto outros lançamentos iam diretamente para os computadores e notebooks dos interessados.
Foi quando a Amazon nos trouxe o Kindle e Steve Jobs mudou as regras do jogo, dando ao mundo uma ferramenta que até então não sabíamos o quanto precisávamos: o Tablet. Com ele, o mundo se tornou nossa sala de leitura. Para esta nova geração de leitores surgiu a ComiXology, uma distribuidora virtual na qual os quadrinhos das grandes editoras são lançados quase que simultaneamente a suas versões físicas, e onde quadrinhistas do mundo todo podem postar e comercializar seu material independente a um preço acessível. Você compra os títulos que lhe interessam e, apesar de não poder fazer download de todos (apenas seis), pode mantê-los em seu histórico para ler quando quiser.
Com isso, a experiência de ler os quadrinhos mudou, ficou mais dinâmica. Além daqueles adaptados ou criados para leitura digital, temos as Motion Comics, a versão século XXI dos desenhos desanimados da Marvel. Agora ela anunciou o Gama Project, que trará som aos quadrinhos, e a demanda pelas edições digitais gratuitas de todos os gibis números um já publicados pela Marvel Comics fez com que o servidor do site ComiXology caísse… Só faltava quebrar a barreira da língua, algo que as editoras vinham prometendo há algum tempo e que impactaria até na forma como os quadrinhos impressos são feitos. Se a editora conseguisse tradutores nativos para seus quadrinhos, elas teriam total controle sobre a distribuição digital de seus produtos mundo afora.
E o que parecia ser um tabu foi finalmente quebrado por The Private Eye, de Brian K. Vaughan e Marcos Martin, que conta com os tradutores brasileirosFabiano Denardim e Érico Borgo. A história é lançada simultaneamente em inglês, espanhol, catalão e português do Brasil, dando mais um exemplo de como as coisas poderão ser em pouco tempo.
Muitos têm dito que os quadrinhos digitais decretarão a morte da mídia impressa. Mas a cada novidade, a morte da mídia anterior é declarada até que finalmente percebe-se haver espaço para todas e que só o que muda é a forma como o autor quer que seu produto seja executado. Muitos quadrinhos produzidos diretamente para a mídia digital ganham versões impressas, assim como muitos quadrinhos impressos já vêm com um passe para a sua versão digital, que possui vários adicionais. A grande verdade é que o digital ocupa bem menos espaço do que o físico e que aquele meu colega pode ser visto como um visionário. Afinal, ele comentou nos idos anos 1990 sobre algo que só foi consolidado quase 20 anos depois.
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