Você sabia?
A tira Hiroshi e Zezinho surgiu em 1961 e durou dois anos, até que um personagem veio e roubou a tira, que em 1963 passou a se chamar Chico Bento.
Isso significa que o evento completou 50 anos, mas ninguém comentou. Não é curioso imaginar que todos os personagens que fizeram escada pra “ladra de tiras que deu certo” foram meio que relegados ao segundo plano? O universo do Maurício de Souza não começou com a Mônica, mas é só dela que falamos. Vamos tentar quebrar isso?
Mexendo em time que está vencendo, a revista pega o já conhecido conceito dos mangás com personagens crescidos e traveste em algo regional e (por que não?) intimista.
Chico, seus amigos e sua eterna namoradaRosinha cresceram e, como toda ave migratória, têm de começar sua viagem de crescimento. No momento certo, tal jornada os levará de volta ao ponto de partida, onde criarão seus ninhos e formarão família. Aliás, esse é o mote do primeiro número, a despedida do ex-caipirinha, quando muitos dos personagens que participaram de seu rito de passagem confirmaram a ligação do protagonista com o lugar de onde veio, mesmo sabendo de todos os percalços que esta ligação geraria em sua nova realidade.
E isso é bom. Quase todos nós tentamos emular os ambientes onde estamos inseridos no momento, como camaleões sociais que se esquecem de suas origens, passando a viver apenas o presente e tentando evoluir dentro dele. Indo na direção contrária, Chico Bento afirma suas raízes e tenta adaptá-las a todos os choques culturais que passa a viver.
Como todos na trama foram para faculdades de cidades distantes para lidar com suas escolhas profissionais, ele é convidado pelo primo para morar numa república, lugar onde suas diferenças são sempre grifadas. Ainda assim, Chico invariavelmente consegue usar soluções baseadas em suas raízes. Num dos números, por exemplo, após esfriar a cabeça e analisar a raiz de seus atritos com os novos colegas, ele aprende não só a identificar cada um deles como cria uma amizade sólida com todos, principalmente com o que adora uma comidinha caseira e com o que percebe que suas modinhas de viola atraem muitas garotas.
Seria fácil o personagem se perder ou ser descaracterizado. Sua revista irmã, Turma da Mônica Jovem, abusa da fantasia, o que nunca funcionaria aqui. Já a viagem beatnick de busca pelo eu proposta pela revista faz com que todos se identifiquem com a jornada dos personagens. Todos vivemos algo parecido em algum momento da vida.
Não é difícil imaginar que, entre uma modinha de viola e outra, o personagem cante um daqueles rocks rurais dos anos 1970 ou alguma música do Bob Dylan.
E o título Chico Bento “Moço” (e não “Jovem”, como o usado em sua revista irmã) deixa isso bem claro. Afinal, não só lembra o interior como dá um tom mais clássico. A palavra mocidade foi muito usada para falar dos jovens brasileiros até os anos 1970/80, antes de ser modernizada para juventude e jovem, termos mais dinâmicos. O uso do termo Moço no título denuncia o ritmo diferente que a história quer passar.
O gibi ainda rendeu dois derivados interessantes. Um número zero, lançado apenas na Bienal do Livro de 2013, se tornou um exemplar raro, uma revista de colecionador. O outro resultou da estratégia de aproveitar o mote da realidade aumentada usada pela Marvel em suas revistas para, quando o primeiro número foi pra banca, criar “O Sumiço da Rosinha”, um jogo para celular onde você coloca a câmera sobre algumas páginas e vê uma caverna cheia de mistérios onde você viverá a jornada do herói.
Que tal conferir e descobrir o quanto a história pode te tocar? Você pode se surpreender e passar a admirar ainda mais nosso querido ladrãozinho de tiras.